terça-feira, 5 de abril de 2011

A dona da banca

Conheça a história da mulher que está atrás do balcão e à frente de seu tempo

Por Patrícia dos Santos (Projeto Comunica/UFFS-Realeza)

Há 53 anos, Irene Rodrigues dos Santos, a Dona Irene, chegava à Realeza acompanhada da mãe, avós e tios.

Após a separação dos pais de Irene, em Francisco Beltrão, a família decidiu adquirir terras na região do Município de Realeza. Viajaram todos a cavalo, homens à frente desmatando e abrindo caminho para que os demais pudessem passar com o gado e os condimentos que traziam para o consumo próprio. Ao chegarem, viviam daquilo que produziam, da caça, de frutas silvestres, e, quando necessário, procuravam o comércio mais próximo, que ficava na comunidade de Sarandizinho, próxima à cidade de Ampére, tendo de passar a noite na casa do próprio comerciante, já que era impossível realizar a viagem de ida e volta no mesmo dia.

Diferente de seus quatro irmãos, a menina Irene nunca se conformou em crescer sem a presença do pai. Sua infância foi desenhada à sombra da responsabilidade precoce. Aos seis anos Irene cuidava da irmã, que necessitava de atenção especial, para que sua mãe pudesse trabalhar. E em seu mundo de brinquedo, criança que era, cuidava de bonecas de pano, já que sabia bem como o fazer.

Além disso, naquelas terras era possível voar ao balanço de cipós, era possível ouvir o som de cada gota de água no silêncio das pescarias e lá longe, no vizinho, ouvia-se o povaréu ao redor do rádio que contava as notícias da região e, finalmente, brindava seus ouvintes com músicas de raiz.

A mãe casou-se novamente, mas foi traída pelo marido que lhe roubou a assinatura para vender seu pobre patrimônio a um empresário de uma cidade próxima. Foram muitas viagens sobre cavalos, noites dormidas à beira da estrada em paióis e cafés preparados à luz do fogo que crepitava entre um amontoado de pedras. Isso tudo para chegar à cidade de Santo Antônio, que apesar de levar nome de Santo que recupera o que foi perdido, esse advogado nada pôde fazer.

Irene e família foram despejados, retirados de seu lugar pelo exército que, a pedido do novo proprietário, não permitiu que levassem nem a comida que há muito era estocada. A mãe foi tirada de dentro de casa sobre duas tábuas, já que adoecera e mal conseguia andar.

Apesar do peso da mão do destino sobre suas costas, a família pode contar com a leve, mas segura, mão amiga estendida por um senhor. Ele, penalizado pela realidade daquelas vidas, os acolheu em um galpão e os ajudou durante um ano, tempo suficiente para que se restabelecessem.

O tempo passou e aos treze anos Irene decidiu fugir com o homem que prometera levá-la de sua casa. O casamento durou vinte anos, em meio a dificuldades financeiras, falta de estabilidade de moradia e o reencontro da agora mãe de família com seu pai, que a partir de então muito lhe ajudou.

Irene teve três filhos. Trabalhou em um parque de diversões, lavou roupas de trabalhadores nas pedras de um rio, foi sacoleira, viajou para vender carteiras e semijoias em rodoviárias, porém, apesar da ausência necessária, sempre se preocupou com a educação dos filhos que ficaram com a avó, em Realeza.

Um dia, em 1979, uma mulher chamada Eva, dona de uma livraria, a procurou para lhe fazer um convite: trabalhar em uma pequena banca de jornais e revistas em frente à Catedral. Irene aceitou prontamente, pois o emprego lhe possibilitaria continuar vendendo seus produtos ali mesmo, na banca. Após dois anos, deixou de ser funcionária e passou a ser a proprietária de seu próprio estabelecimento pago em dez prestações. Após dezessete anos de trabalho no mesmo estabelecimento, o prefeito em atividade pediu para que Dona Irene aumentasse sua banca. E assim ela o fez, encomendou sua nova banca, na cidade de Santa Isabel do Oeste.

A partir daí, a banca se tornou parte do Município de Realeza. A proprietária dizia que ali era lugar de cultura e, por isso, decidiu estudar. Completou o segundo grau, passou no vestibular de Administração e só não frequentou o curso por não ter sido autorizada por seu segundo marido, que veio a falecer mais tarde. Há cinco meses, Dona Irene casou-se com o professor aposentado Nelson Lemes, o qual conheceu ali mesmo, na banca.

A conhecida banca de jornais e revistas de Realeza completará, no dia 18 de maio, 32 anos. Após tantos anos, tem-se a impressão de que a banca passou a fazer parte de Dona Irene e Dona Irene é parte da banca. É como se ambas se fundissem numa coisa só. Trata-se de um personagem atuante no cotidiano de uma cidade. Cidade esta que cresce perante seus olhos.

                                                                                        Patrícia dos Santos
  Dona Irene: “Sou muito feliz e gosto do meu trabalho,
tenho muito orgulho de ser realezense. As amizades que
fiz e faço todos os dias são valiosas. Vou continuar aqui
até quando Deus quiser”

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