terça-feira, 2 de novembro de 2010

“Só sente as correntes que os prende quem se MOVIMENTA”

Por Ângela Roman e Leandro Hillesheim (Medicina Veterinária/Realeza)


Em meio a tantas criticas e objeções aos movimentos sociais, o Comunica, em sua intenção de informar a comunidade acadêmica, busca sintetizar essa temática. Sendo assim, os movimentos sociais são compreendidos como entidades que têm o objetivo de fazer com que a sociedade civil adquira uma coesão de pensamento, na qual o bem comum e a luta pela hegemonia seja priorizada. A luta de classe nasce da necessidade de organização quando expostos a uma situação de desigualdade no meio social, podendo ser oriunda de discussões de gênero, classe, etnia, etc. Além disso, o presente texto pretende desmistificar a idéia que está sendo introduzida através dos meios de comunicação monopolistas de que os Movimentos sociais são precursores de ações violentas e evasivas.

Dessa forma, entramos em contato com o Professor Ms. Jaci Poli, coordenador administrativo da Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Realeza. Além de ser atuante em movimentos sociais da área agrária, desenvolveu seus estudos de mestrado com enfoque nessa área.

Qual é a relevância dos movimentos sociais para a sociedade?

Eu acredito que os movimentos sociais são a forma de a sociedade se organizar em busca dos seus direitos, das suas demandas e das suas causas. Eles são a única forma efetiva de se promover transformações dentro da sociedade. Vejo que governantes eleitos têm condições de fazer muitas coisas pela sociedade utilizando os instrumentos do estado, mas eles não conseguem transformá-la, não conseguem fazer as grandes mudanças que a sociedade promove durante toda sua caminhada. Os movimentos sociais, por organizarem a base da população, a busca de direitos e das causas populares, têm essas condições, sendo a base de todas as transformações sociais.

Em relação aos meios de comunicação, como contribuem e como prejudicam a imagem dos movimentos?

Hoje, no Brasil, temos uma situação em que a imprensa como um todo é, talvez, o maior monopólio existente. Poucas famílias, poucos grupos, dominam praticamente todo o processo de comunicação do Brasil e se garantem dentro de uma legislação que não consegue fazer uma regulamentação adequada. Na realidade, o que o próximo governo precisa enfrentar de forma decisiva é criar uma regulamentação. Não é controlar, não é cercear o direito de falar, cercear o direito de imprensa, mas é começar a regulamentar. Enfrentar esse empecilho e pensar nos movimentos sociais diante de tudo isso é um grande desafio de uma nova constituição dos movimentos sociais e de novas formas de luta, que vão aparecendo e que nós precisamos compreender melhor.

Como o senhor imagina um Brasil sem movimentos sociais?

Se não existissem os movimentos sociais, hoje nós seríamos praticamente escravos do capital. Nós estaríamos na pior das ditaduras, ou seja, a ditadura da opinião única, do partido único, da idéia única. Daríamos razão a aquilo que aconteceu quando ocorreu a queda do muro de Berlim. Os grandes ideólogos do capitalismo, especialmente nos EUA, falavam no fim da história. Para eles, o fim da história, o fim da ideologia, era derrubar todas as contestações ao capital, ao neoliberalismo que é hoje o domínio absoluto do capital. Isso só não se configura tão fortemente pela existência dos movimentos, que reagem. Se os movimentos sociais não existissem, não consigo imaginar que sociedade teríamos, ou se seríamos uma sociedade.

Na opinião do senhor, por que tanta resistência de uma parcela da população pelos movimentos sociais?

O que ocasiona isso é um conjunto de fatores que faz com que grande parte da população não se dê conta, não faça uma leitura correta da sua realidade. Hoje, muitas pessoas moram em situação precaríssima e não admitem uma relação com os movimentos sociais. São contra, condenam todos os tipos de reação popular que possa existir em busca de direitos. Eu vejo que existe a formação de uma grande massa ideológica do capital, que consegue criar essa idéia de que a solução vem pelo fortalecimento das empresas, sendo contra quem está por defender quem está na miséria, justamente porque não compreende a realidade da situação. Isso acontece, justamente, porque nós ainda não temos um sistema de educação capaz de politizar a educação, isto é, de dar condições para que, pela educação, as pessoas possam se situar na realidade.

Qual é a relação dos movimentos sociais com a UFFS?

Talvez esse seja um dos grandes pontos de apoio que a gente tem pra fazer uma análise da presença dos movimentos sociais na sociedade. Se fosse pela mão do Estado, a região da fronteira sul não teria nem uma universidade pública. Inclusive, quando os movimentos sociais começaram a pleitear uma universidade federal para a região, houve, por parte do Ministério da Educação, a oferta da construção de um Instituto Federal de Educação. Esse instituto ofereceria educação tecnológica e os movimentos sociais disseram que não, eles não queriam isso, isso não era o mais necessário. Fazia-se necessário a formação de uma universidade com caráter e proposta diferenciada, capaz de formar pessoas que tivessem condições de gerar um novo tipo de desenvolvimento. Por isso, foi criada a UFFS com proposta curricular inovadora, justamente por ter nascido de um debate junto com os movimentos sociais e que pretende formar pessoas capazes de gerar o desenvolvimento. O discurso da maioria dos políticos é que eles, quando ajudaram a criar a UFFS, trabalharam para construir o desenvolvimento. Diziam: “a universidade vai trazer o desenvolvimento para a região”. A universidade não traz o desenvolvimento, mas, sim, a universidade educa para a construção do desenvolvimento. Ela constrói pessoas que podem ser capazes de desenvolver a sua comunidade a partir da sua ação, da sua articulação e da sua compreensão de mundo. É nesse sentido que a gente precisa olhar: os movimentos sociais conseguiram dar um papel para a educação e para a universidade. Agora, querem acompanhar a universidade na sua trajetória. É o movimento social se mantendo permanentemente em debate com a universidade pra rediscutir o papel que a educação pode ter. Então, essa relação é uma via de mão dupla, na qual os movimentos formaram um grande debate que criou a UFFS e, agora, a universidade precisa debater com os movimentos pra que a educação desejada realmente aconteça e forme cidadãos capazes de pesquisar e construir na sua sociedade uma nova realidade social. É isso que nós precisamos e é esse o papel que os movimentos conseguiram dar para a nossa universidade.

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